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Ensaio - Televisão: Peculiaridades e Projeções

Ensaio baseado no artigo “O Sonho Acordado” (SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000) e entrevista de Arlindo Machado a Sonhar TV.
 
Televisão: Peculiaridades e Projeções
 
Uma família está sentada assistindo o jornal depois do jantar, as crianças reclamam e mudam para desenho. O jovem, cansado da faculdade, consegue pegar o final do seu filme preferido em um canal pago. Uma senhora luta contra o sono até o fim da novela e reclama quando acaba – por que sempre na melhor parte?
Todas essas situações acontecem milhares de vezes, simultaneamente e todos os dias.  A grande massa se diverte e se informa graças a televisão.  A forma com que isso acontece no entanto, é o que constitui a singularidade, o elemento que a difere dos outros meios de comunicação de massa.
No artigo “ O Sonho Acordado” no livro Cenas da Vida Pós Moderna da intelectual argentina Beatriz Sarlo, a autora caracteriza as peculiaridades da televisão. Uma delas é a quantidade de imagens impactantes vinculadas a pouco (ou nenhum) conteúdo, gerando apenas o “efeito da informação”, já que a velocidade na qual tais imagens são mostradas é muito maior que a capacidade humana de memorização e absorção. Por outro lado, esse “tumulto visual” é o que prende o telespectador.
O telespectador não é apenas uma testemunha da programação da tevê: ele também faz parte da cena, ou se sente como parte, tendo o poder de mudá-la com um piscar de olhos, ou em um aperto de botão. A prática do zapping trouxe a liberdade do público escolher o que quer assistir e fez da tevê uma verdadeira vendedora de produtos, já que silêncios e muito tempo filmando o mesmo plano são motivos que fazem o “cliente” mudar de canal. Adeus práticas inovadoras: a televisão precisa vender e cativar seu público.
A tarefa nem sempre é fácil. Criou-se então um padrão estético televisivo: diálogos, gestos, ritmos, enredos típicos do meio; previsíveis e facilmente identificados pelo público. Essa repetição com variações, claro, é mais econômica, mais  rápida e custa menos. Mas existe o outro lado: programas com baixa audiência que mesmo assim permanecem no ar. Arlindo Machado em entrevista para a TV Sonhar menciona a prática: a TV é basicamente um meio no qual as pessoas com “cultura menos sofisticada” aprendem, não a educação formal, mas aprendem. Às vezes compensa para os publicitários manterem um programa para uma certa elite, um público mais selecionado e com maior poder aquisitivo, já que quanto mais criativo e orginal o programa, menor é seu público. Porém essa organização de público não é fixa: as pessoas passam informações umas para as outras. A “elite” é formadora de opinião, assim como o “povão”.
Outro fenômeno mencionado por Machado é o conceito de baixa audiência. Segundo ele, o programa menos visto tem pelo menos 200 mil espectadores. Uma peça de teatro ou um livro demoraria muito tempo para atingir a marca. Isso que diferencia a tevê dos outros veículos: seu alcance é muito maior. Talvez por ser essencialmente uma mídia de massa, os intelectuais (ou pseudo intelectuais) ainda tem bloqueios em reconhecer qualidade nos programas. Arlindo Machado discute o tema e afirma que existe sim coisas muito boas na televisão desde os anos 50. O que falta é informação e a separação do que é inteligente, e do que é simplesmente vulgar.
Outra exclusividade do veículo é a possibilidade de transmitir ao vivo. O público se sente inclinado a confiar nas informações dadas se elas são passadas ao vivo. Para Beatriz Sarlo a sensação é como se o público fizesse parte do acontecimento. Mais do que isso, o público se sente parte da televisão. Essa interatividade se traduz na crença de que uma gravação ao vivo não pode distorcer gestos e afirmações e de que para estar “na telinha” basta ser cidadão. Esse igualitarismo é irresístivel e muitas vezes substitui instituições que deveriam ser igualitárias e confiáveis, como a justiça e a polícia.  
Com tantas peculiaridades, é díficil pensar no fim do maior comunicador de massa da atualidade. Para Arlindo Machado, esse fim não é definitivo no sentido de não haver mais televisão. Ele acredita em mutações e na integração da televisão com a internet, no surgimento de canais “piratas”, feitos por pessoas comuns e ainda na possibilidade do telespectador montar sua grande televisiva. A televisão convencional, para ele, será elitizada. E isso já aconteceu antes. A ópera era o cinema do século XIX, o cinema era a televisão do século XX, será a internet a televisão do século XXI?
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