Reportagem para jornal - online
Estudantes negros da UFU denunciam casos de assédio sexual
Foto: Rosângela Gomes Daniel
Especialista afirma que a sexualização do corpo do homem negro vem desde o processo de colonização do Brasil e tornou-se naturalizado nas relações sociais

Por Richard Militão Rocha e Rosângela Gomes Daniel
Os muros da universidade não bloqueiam as violências que existem do lado de fora. Uma delas é o assédio sexual que ocorre com o homem negro. O tema é pouco discutido no ambiente acadêmico – uma das únicas oportunidades recentes para discuti-lo foi o evento Novembro Negro realizado na UFU, em comemoração ao Dia da Consciência Negra. Apesar disso, o sofrimento das vítimas é algo recorrente, inclusive dentro da universidade. E trazendo esta realidade para o âmbito da UFU, houve muitas histórias que estudantes vivenciaram em relação a esse assunto pouco discutido.

Lucas Rosa, estudante de História da UFU, conta que já vivenciou diversos episódios de assédio sexual dentro na universidade. “Eu estava no restaurante do Umuarama almoçando, seguindo a minha rotina, e de uma hora para outra veio uma mulher e chegou a mim, não respeitando o meu momento de almoço, e falou: ‘Nossa, você está de parabéns, você está maravilhoso!’”, conta. Tal atitude o deixou intrigado, pois foi um ato que interferiu em sua liberdade. Ele menciona também que o ocorrido provocou um forte sentimento nele: “Me senti um mero objeto, um troféu. Considero essa situação muito ofensiva”.
Para ele, é importante também reconhecer a liberdade sexual de uma pessoa, respeitando o espaço do outro. Ainda segundo o aluno, o cuidado ao elogiar alguém deve ser tomado para que o enaltecimento não se torne agressão ou invasão e, consequentemente, racismo.
Outro aluno de graduação da UFU, Pedro*, revela que recebe cantadas e elogios com frequência e sente que tais situações objetificam o seu corpo. Segundo o estudante, os estigmas de homem negro viril, forte e pronto para satisfazer os desejos sexuais são algumas das características que a sociedade atribui aos indivíduos, concretizando o racismo e a sexualização dos negros.
Outra forma recorrente de assédio, muitas vezes vista como “engraçada”, é relacionada ao órgão sexual do homem negro. Pedro considera tal atitude como herança do período escravocrata do Brasil. “Eu vejo de uma forma agressiva e totalmente racista”, completa.
O estudante acredita que o homem negro, em geral, é visto como um produto sexual, fruto do racismo instaurado na sociedade, e esta agressão que diz sofrer muitas vezes é considerada elogio, o que mascara a violência racial. No entanto, ele acha que poucos homens conseguem identificar tal situação agressora. “Sempre que recebo algum elogio, é ressaltada a minha cor, e considero isso como uma forma de objetificação e despersonalização”, afirma Pedro.

Régis Rodrigues Elisio, Discente do Programa de Graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia – UFU e Coordenador de Assuntos Estudantis do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB), afirma que a hipersexualização do corpo do homem negro permaneceu mesmo com o fim do período colonial, estereotipando os corpos negros enquanto viris, lascivos, luxuriosos, libertinos, voluptuosos, sensuais, eróticos.
Elisio afirma que as consequências dessa violência refletem-se em diversas instâncias da vida de suas vítimas, como na autoestima nas relações de afeto. “A sociedade exige do homem negro um corpo forte e viril, que esteja sempre disposto a ter relações sexuais. Quando este homem não consegue atender a essas exigências, se sente frustrado consigo mesmo. Além disto, os negros são tratados como exclusivamente para o sexo, ou seja, não cabe a estes terem relações de afeto”, esclarece.
O professor acredita que não cabe à vítima, sozinha, se libertar dessa estrutura. “A sociedade tem a responsabilidade de conhecer como se dão as relações étnico-raciais no Brasil e se dispor a transformar esta realidade”.
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