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A Pandemia e a Cidade Desnuda

A rua sem as pessoas deixa de ser lugar e se transforma apenas em espaço. Contudo, a rua sem gente não se transforma em vácuo, espaço neutro ou nulo, pois as pessoas deixam sobre o espaço as suas marcas, cravadas pelas suas pegadas e pela sua ação exercida ao longo do tempo na cidade. Essas marcas podem representar flores ou cicatrizes, podem expor aquilo que a sociedade quer ocultar ou, ao contrário, lançar luz às pequenas grandes coisas que passam desapercebidas pelos transeuntes ou encoberta pelo barulho e a fumaça dos automóveis. 

Durante a pandemia da Covid-19 várias cidades no mundo todo ficaram com ruas vazias, propiciando um ambiente excepcional para o exercício da fotografia, tendo a cidade como um laboratório privilegiado para a observação atenta da paisagem urbana.

A ideia do projeto “A pandemia e a cidade desnuda” nasceu dessa percepção sobre a oportunidade de estar em uma cidade global e histórica durante um período de lockdown na cidade do Porto, Portugal.

Realmente, tratou-se de um evento raro na história da cidade e na vida das pessoas que transformou seu espaço em um grande arquipélago e ao mesmo tempo um rico mosaico da arqueologia do tempo presente e do passado próximo e distante. Diante dessa circunstância decidi realizar de forma autônoma, um estudo e ensaio fotográfico para flagrar a cidade desnuda, exposta e disponível ao olhar do fotógrafo. Escolhi como método o "caminhar observante", aproveitando o vazio e a perturbadora paz das ruas,
ruelas e travessas, onde pude fazer observações livres e realizar exercícios fotográficos explorando ângulos, focos e experimentos imagéticos conceituais.

A arte em suas mais variadas formas de expressão, carrega o grito da liberdade ainda que em contexto de confinamento. Grito carregado de poder político no momento em que o desnudamento da cidade apresentado nessa exposição demonstra que o sacrifício do isolamento social implementado com responsabilidade é capaz de salvar vidas. 

Mesmo quando ainda longe de qualquer tipo de notícia sobre as vacinas, Portugal já pôde desfrutar de dias sem nem mesmo uma morte sequer pela doença, sendo considerado um dos países mais seguros da Europa, enquanto as notícias do meu país de origem - o Brasil - versavam sobre recordes atrás de recordes de mortes, caminhando para um dos países onde mais se morre por Covid-19 devido a ineficiência ou inexistência de um plano de combate à pandemia, com medidas pouco efetivas de isolamento e constante incentivo (inclusive da autoridade máxima do país) para que as pessoas retomassem suas atividades normalmente.

Espero que as imagens disponíveis levem os observadores atentos a experienciarem o vazio como meio de preenchimento e de conteúdo, que leve força àqueles que seguem se mantendo em distanciamento por respeito a si e ao outro num momento em que o mundo ainda luta pela vida e pela imunização coletiva pelo único meio responsável - o da vacinação.

Confira o material e futuros trabalhos no: www.instagram.com/veneziani.photography

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Este projeto foi fomentado pela Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais - SECULT-MG por meio da Lei Aldir Blanc.
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