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Categorias de base do futebol feminino em BH

Pandemia e crise econômica aprofundam desigualdade entre categorias de base do futebol feminino e masculino em BH

Giovana Maldini e Samuel Resende

Matéria na íntegra: www.revistamarta.com

Historicamente, os esportes, principalmente aqueles em que há contato físico, inicialmente eram praticados somente por homens. Esse fato sempre foi baseado em uma crença de que as mulheres não tinham porte para praticá-los e que essas atividades as masculinizavam.

O futebol é um dos ambientes onde ainda há resistência à presença feminina em diversos setores, o que influencia diretamente na formação de atletas na categoria. 

Desde 2019, após 40 anos desde que a prática do futebol feminino foi liberada por lei no Brasil, os 20 participantes da Série A do Campeonato Brasileiro precisaram se enquadrar no Licenciamento de Clubes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e obrigados a manterem um time feminino na modalidade, tanto profissional quanto de base. Em consonância a isso, a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) também obriga os clubes que irão disputar as competições internacionais a terem um time formado por mulheres.  

Se no âmbito profissional já existe uma grande desigualdade entre o futebol masculino e o feminino, nas categorias de base essa diferença é ainda mais abissal. Ao observar os três grandes times de Belo Horizonte, Atlético, América, e Cruzeiro, um deles possui a categoria, outro ainda está em fase final do projeto e o terceiro teve de encerrar as atividades. 

Atlético Mineiro

O Atlético conta com uma parceria com o Tupynambás, clube que cede jogadoras para o Sub-18 do Galo. Com a pandemia, as atletas ficaram sem treinar presencialmente entre março de 2020 até janeiro deste ano. Os treinos foram retomados em conjunto com o Campeonato Brasileiro da categoria.

As “Vingadoras”, como são chamadas pela torcida, terminaram na vice-liderança de seu grupo, mas foram eliminadas ainda na primeira fase da competição. Apesar de apresentar uma base, torcedores do clube reclamam da falta de comunicação em relação às atividades dos times. 

“O problema do Galo em relação ao Sub-18 é que nem mesmo os jogos estão divulgando direito. Aconteceu uma partida em um sábado, às 8 horas da manhã, que nem foi divulgada. Apenas falaram o resultado no Twitter”
RENATA LEMOS, TORCEDORA DO ATLÉTICO MINEIRO, DONA E MODERADORA DA PÁGINA DO INSTAGRAM @GALODELAS. F

Na imprensa, especulou-se que as próprias atletas, juntas com a comissão técnica, teriam arcado com os custos do campeonato. O clube rebateu os boatos: “Não é verdade. Basta ler o regulamento da competição. A CBF custeou o transporte, a hospedagem e 4 refeições diárias de 23 integrantes da delegação. O clube pagou os custos dos outros 4 integrantes da comissão e com as demais despesas de alimentação, viagem, nutrição, exames e inclusive o médico local que esteve o tempo todo com a equipe”, disse Nina de Abreu, coordenadora do futebol feminino do Atlético. 

Perguntada se há um patrocinador próprio para as categorias de base, Nina disse que não, mas ressaltou que “estão em fase final de aprovação de uma cota de Lei de Incentivo ao Esporte, que propiciará um aumento do investimento na base feminina”. Segundo ela, apesar do interesse crescente nas competições do profissional, isso não acontece nas categorias inferiores, o que impede a captação de recursos. 

Cruzeiro

Com o rebaixamento do time masculino profissional do Cruzeiro, para a Série B do Campeonato Brasileiro, a obrigatoriedade das categorias de base do feminino acabou e, com isso, o clube ficou apenas com o profissional da modalidade. Outro fator importante foi o momento financeiro da instituição, cercado de dívidas.

O time feminino havia dado início às atividades em fevereiro de 2019, com uma equipe profissional e duas de base, um sub-18 e um sub-16. Segundo Bárbara Fonseca, coordenadora de Futebol Feminino do Cruzeiro, foi uma decisão tomada contra a vontade. 

“Considerando que é uma modalidade ainda em desenvolvimento, se apresentam diversas dificuldades, entre elas a financeira. Assim, apesar de ter sido uma decisão bem difícil, entendi que temporariamente seria melhor para a continuidade do Departamento, e, em um segundo momento, retornar as atividades com uma melhor estrutura. É péssimo e sentiremos os efeitos disso a curto prazo, mas não há nada que suporte a ausência de recursos. Não adiantaria nada manter sem dar condições de desenvolvimento”.
BÁRBARA FONSECA, COORDENADORA DE FUTEBOL FEMININO DO CRUZEIRO

De acordo com Bárbara, as atletas da base foram informadas antes do término do vínculo que não poderiam prosseguir no clube. Cinco delas permaneceram no elenco profissional do Cruzeiro. Aquelas que já estavam mais desenvolvidas foram oferecidas para as bases de outros clubes e integraram até mesmo as equipes principais. A maioria das jogadoras conseguiu se manter em atividade. 

O Departamento do clube entende que as categorias de base são de extrema importância. No entanto, há a necessidade de maior recurso financeiro e, com isso, a existência da modalidade depende diretamente do acesso da equipe masculina.

América Mineiro

O América ainda não possui categorias de base no futebol feminino. No entanto, segundo a assessoria do clube, há um projeto, já em fase final de estruturação, para a implantação. Atual vice-campeão da Série B no masculino, o clube mineiro subiu para a Série A e agora tem a obrigação de criar a modalidade. O Coelho corre contra o tempo para poder disputar o Campeonato Brasileiro, que começa na última semana de maio de 2021. As novidades serão divulgadas nos canais oficiais do clube. 

Apesar de não contar com a categoria no momento, o América promove de duas a três seletivas por ano para captar talentos de todo o Brasil, a partir de 16 anos. Quando aprovadas, as atletas dessa faixa etária são incorporadas ao time profissional e fazem um trabalho inicial específico de ambientação. O resultado se dá em campo, com cinco jogadoras sendo convocadas para as seleções de base do Brasil desde 2016.

Em 2020, o time feminino profissional foi eliminado nas oitavas de final da Série A2 pelo Tiradentes-PI. Após vencer o primeiro jogo fora de casa por 1 x 0, a equipe mineira perdeu por 2 x 0 na partida de volta e não conseguiu a classificação para a primeira divisão.

O atual time feminino do clube teve início em julho de 2015 e chegou a cinco finais consecutivas do Campeonato Mineiro. Em 2015 e 2019, o Coelho foi vice-campeão. Já em 2016, 2017 e 2018, foi tricampeão. A nível nacional, o América ainda busca o acesso à primeira divisão do Campeonato Brasileiro.


Diferenças para o masculino e a falta de incentivo

Atualmente, podemos perceber um maior interesse da mídia no futebol feminino do que havia em anos anteriores. Enquanto a modalidade antes era só divulgada por alguns portais alternativos, hoje já há transmissão de alguns jogos pela televisão. No entanto, mesmo com mais visibilidade, o futebol feminino ainda possui diferenças exorbitantes de investimento e interesse em relação à modalidade masculina. 

A falta de interesse muitas vezes acontece pelo pequeno espaço dado pela mídia para transmitir os jogos e também pela diferença de aspectos físicos, técnicos e táticos entre o jogo de mulheres e de homens, que nem sempre são respeitados pelo público que acompanha o futebol masculino. Há também uma disparidade de investimentos. 

“Isso acontece porque o retorno financeiro [do masculino] é maior aos clubes, aos atletas e ao staff envolvidos. Mas o crescimento do futebol feminino pode proporcionar condições financeiras melhores, na medida que a modalidade se consolida e o mercado se torna mais atrativo” .
LUIZA PARREIRAS, COORDENADORA ADMINISTRATIVA DO FUTEBOL FEMININO DO AMÉRICA.

Um exemplo dessa desigualdade entre ambos é a diferença de premiação das últimas Copas do Mundo. Segundo dados divulgados pelo Jornal El País, a premiação da Copa do Mundo da Rússia, que ocorreu em 2018, foi de 400 milhões de dólares. Enquanto na Copa do Mundo Feminina na França, que aconteceu no ano seguinte, o prêmio foi de 15 milhões de dólares. 

A modalidade ainda enfrenta problemas de visibilidade e crescimento, principalmente em competições locais. Segundo Renata Lemos, o Campeonato Mineiro Feminino de 2020 teve a participação de apenas 4 equipes, pois diversos times não tinham condições de arcar com as taxas e adesões impostas para a competição.

Por outro lado, no mesmo ano, o Módulo I do Mineiro masculino teve a participação de 12 times.  “Diferente do masculino, não temos uma competição estadual amadora organizada pela Federação Mineira. O Campeonato Mineiro amador feminino que temos é organizado pelo Seu Evaristo, o presidente do Prointer. Nós temos a Copa BH, que é um espaço de disputa dessas equipes amadoras, mas não é um Campeonato Mineiro”, afirma Renata. 

Devido a essa ausência de investimentos expressivos na modalidade, é difícil para as jogadoras se manterem apenas com o salário do futebol, cenário que é diferente nos times masculinos. Isso é relatado pela goleira do Atlético Sub-18, Amanda Coimbra. “Por mais que seja um esporte que está em constante evolução, há uma desigualdade muito grande envolvendo todos os aspectos entre a modalidade feminina e masculina. A pandemia provocou cortes de salários e rescisões contratuais no nosso futebol . Mas a parte boa é que alguns patrocinadores e federações tomaram medidas positivas para investir e apoiar o futebol feminino durante esse período.”

Devido às imposições feitas aos clubes de série A para criarem um time formado por mulheres, a modalidade ainda é muito dependente dos times masculinos.

“São os caras que pagam a conta, infelizmente. Assim, qualquer irregularidade no masculino, o feminino é atingido fortemente. A pandemia, inclusive, foi capaz de desmobilizar várias categorias de base”.
BÁRBARA FONSECA, COORDENADORA DE FUTEBOL FEMININO DO CRUZEIRO

Essa obrigatoriedade faz com que muitos times enxerguem o futebol feminino como uma obrigação, e não um investimento, mesmo com o crescimento expressivo da modalidade.

“Tivemos a Copa Feminina de 2019, na França, com um público excelente e recorde de audiência. Então, não dá para ignorar esse crescimento do futebol feminino. Aqui, ainda encontramos muita dificuldade. E os clubes que estão vendo a modalidade como uma oportunidade estão se destacando” 
RENATA LEMOS, TORCEDORA DO ATLÉTICO MINEIRO, DONA E MODERADORA DA PÁGINA DO INSTAGRAM @GALODELAS. F

Para a goleira Amanda, o futebol feminino pode ser mais incentivado se quebrar a barreira do preconceito. “Se começasse a ter mais visibilidade, com a criação de novos campeonatos, teríamos mais atenção dos patrocinadores, pois o futebol masculino tem mais ou menos 80 jogos por ano e o futebol feminino menos da metade”, conclui. 
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