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Fire tears (Portuguese)

                                     Lágrimas de Fogo
              (Autora: Mariana Ramacciotti)

                                                     Capítulo 1

                                                                 Dia I


“Intocável imensidão de segredos acumulados dentro da veracidade de um olhar... Sobre a pele tão fina, inúmeras cicatrizes invisíveis percorrem teus contornos, teus traços, teus laços.  Sobre pés firmes que não tocam o chão, recolhe e aquieta teus medos em sua própria rotina, tornando-os incapazes de alterar uma aura construída com a finalidade de sustentá-la. Teus cabelos negros, gélidos, caem por teus ombros como lágrimas que não mais escorrem devido ao passar dos anos, talvez ao passar de décadas. Inquietáveis gritos inaudíveis se entrelaçam por teus fios, que tendem a cobrir sua boca como um gesto de silêncio, esforçando-se no ato de conter tua respiração ofegante, protegendo-a dos mais amistosos e afáveis ventos que suplicam espaço dentre tua própria existência. Sustenta-se em tamanha pretensão através de olhos azuis tão mórbidos quanto à tristeza que carrega. Aventura-se na jornada de vagar pelo breu de teus caminhos, perseguindo o mais quente de teus sonhos, a tal luz da vida da qual todos buscam quando se menciona o mais poderoso monstro de todos os homens. A morte.

Soberana. Serás esta? Não pode ser. A morte não poderia possuir tamanha mágoa, visível além de tua própria carne, já que esta não se arrepende ao tocar seus dedos sobre a vida, puxando-a com tamanha delicadeza, a fim de levá-la deste mundo talvez para um lugar menos apático do que este que me encontro. Mas, se esta for, por favor, cautela... Cautela ao retira-me sutilmente dos meus pecados. Mesmo com tanto tempo de repouso, acredito não ser o suficiente para encontrar e reconhecer a todos. Posas na frente de olhos que há tempos deixaram de enxergar, tão inalteráveis que já puderam duvidar sobre a continuação da minha vida. Meu discernimento já não é confiável o bastante para provar tua veracidade... Mas algo inexplicável transcende nosso encontro. Sinto como se já tivera me encontrado com esta aparência, tão sombria e silenciosa como a própria escuridão que contorna a noite nos teus mais ardilosos conflitos...”

- Querida...

Viro-me assustada. Ao notar um rosto conhecido, suspiro em alívio. Estatura média, copos na mão. Roseli, minha cara colega... Sua pele negra, maltratada pelo tempo, dá a esta um semblante rigoroso, mesmo não fazendo jus a sua personalidade serena. Encontra-me, de novo, com aquela carta amarelada entre meus dedos... Nenhuma palavra é necessária para me mostrar o que pensa sobre ela, minha amiga.  Se soubesse que teu olhar preocupado me fere tanto, aposto que não o faria...  

- Você... Está bem?

- Sim... Acredito que estou melhorando.

Levanto-me de meu acento e estico minha mão em direção a duas muletas, talhadas a madeira, com detalhes de flores em seu entorno. Com um pouco de esforço, consigo me erguer completamente para receber minha visitante. E anda sim, recebo ajuda para permanecer de pé.

- Não se preocupe... Não pretendo mais relatar o que vi a ninguém. Só queria ter a lembrança do que vi por escrito. A quantidade e a qualidade das palavras indifere se sua significação se torna nula diante de uma maioria, que se tornou incrédula ao ler tuas linhas...

Um leve sorriso se faz em sua face, como que tranqüila, por hora, com minha declaração. Se soubesse que deveria se preocupar mais com meu estado de espírito do que com meu corpo físico... Poderíamos conversar mais sobre o ocorrido. Sim, falo da página perdida e sem explicação de uma estória de completo mistério. Uma estória paralela, talvez mais importante e imprevisível do que a minha... Ou tão inacreditável e intolerável quanto.

- Sobrinha... Faz pouco tempo que voltou do hospital... Está em recuperação, devia se sentar e repousar.

Sabes de tantos segredos meus... E mesmo assim ainda se põe ao meu lado independente das circunstâncias. Deixaste teus cômodos confortáveis para me visitar em dia de chuva, a pedido de minha mãe. Teus sapatos encardidos de lama não escondem sua simples e ingênua sinceridade.

- Aceito tua preocupação de bom grado, tia. Mas não se preocupe. Disse a você que não iria mais tocar nesse assunto com ninguém. Cumprirei minha promessa.

- Cristina... Há uma pessoa querendo conversar contigo lá fora.

Vestido azul, com tecido branco caindo sobre os panos altamente costurados, exigência da parte de minha mãe. Esta era Alva, a nova empregada da casa. Com cabelos castanhos levemente enrolados, trazia consigo um olhar receoso. Logo após emitir a mensagem, tem pressa o suficiente para afastar-se de minha pessoa.

- Outro jornalista? Alva, por favor, peça para que se retire. Não pretendo receber mais ninguém que venha a falar do meu acidente.

- Pois era o que estive tentando fazer antes de vir até aqui incomodar-te...

- Então me deixe-me resolver isso.

Apressada, me dirijo à porta. Nem os donos e nem os empregados da casa agüentavam mais tal situação. Perdurou por uma semana, na mesma freqüência, o suficiente para irritar os inquilinos. Abrindo-a com certa fúria, me preparava para gritar ao ouvinte quando me surpreendo com meu visitante.

- Srta. Cristina?

Uma moça de longos cabelos castanhos e presos me dirigia à palavra. Uma empregada. Vestida com um lindo vestido avermelhado e cheio de detalhes minuciosos, logo percebo que era de mais alto requinte do que Alva. Trazia consigo uma bandeja de prata, e sobre ela, uma correspondência lacrada.

- É você a mulher que começou a ver espíritos depois que acordou do coma em que entrou depois de sofrer um terrível acidente de carro há alguns anos?

Logo, me sinto desconfortável.

- Será que essa cidade não consegue parar de inventar boatos? Quanta bobagem. O que relatei ao médico que me atendeu não foi nada além de uma alucinação que tive enquanto estava desacordada.

- Pois bem, negação é o primeiro sintoma de quem mente.

Recuo um passo.

- Mas o quê? Peço para que repita o que disse...

-  Chamo-me Geórgia, e vim entregar-te esta carta de minha senhoria. Por favor, espero que minha visita a senhorita permaneça encoberta tanto quanto o conteúdo desta carta.

Ao recebê-la, a mesma agradece e se põe a caminhar em direção a rua. Fecho a porta, me acomodo confortavelmente em minha poltrona e começo a ler. Nenhuma outra carta que recebi havia me despertado tanto interesse como esta... E ao terminá-la, percebi que não estava errada em achar sua chegada intrigante. Alva, já em recua, foge o olhar do meu, mais assustada do que de costume.

- Está tudo bem?

- Sim... Só mais uma carta de alguém que duvida de minha lucidez.

A jogo sobre a mesa com desdém extremamente falso. Depois de tanto tempo, algo parece querer instigar-me a continuar com as minhas provações.

- Por favor, me deixem só.
 
- Mas querida...

Pensativa, prefiro evitar contato visual.
 
- Por favor.
 
As duas saem sorrateiramente de meu aposento. Ao fecharem as largas portas de madeira, tomo a carta novamente em mãos, dessa vez, acompanhada dos pequenos óculos de meu pai.

“Ninguém pode julgar o que viu ou deixou de ver, minha filha. Saiba que neste mundo, há muito mais do que os olhos humanos são capazes de enxergar. Sei que enfrenta dificuldades neste momento, mas talvez tenha algo que possa confortar-te... Já que fugiste da morte, meu anjo, espero que possa ajudar meu pequeno a fugir também”.

Ao terminar a releitura, reclino sobre o encosto de minha confortável cadeira com a carta sobre o rosto, com um suspiro prolongado de indecisão.

- O que será que ela quis dizer com isso...?

Logo, afrouxo o cachecol de meu pescoço, suando.

- Pff... Há muita gente aqui.

As duas que outrora haviam saído, observavam pela porta. Alva, esbranquiçada, esforça-se para pronunciar algo.

- Mas... Dona Roseli... A sala está vazia.

Roseli, num gesto calmo, segura o braço da empregada que quase não conseguia ficar de pé. Respira lentamente.
 
- Eu sei. 
 
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Fire tears (Portuguese)
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